terça-feira, 18 de novembro de 2014

INFORMAÇÕES PARA O NOVO SÉCULO

Pré-sal vs. mudança climática

31.10.2014

Para produzir a reportagem sobre política energéticaMão e contramão, publicada na edição 90, Página22 foi a campo pesquisar a relação de tempo existente entre o início da exploração do pré-sal brasileiro, que atingirá cinco milhões de barris ao dia em 2021, e a queda da demanda mundial por fontes de energia fóssil. Há um forte consenso de que por volta dos anos 2050 os países estarão em plena transição de suas matrizes energéticas para fontes renováveis. A proposta que orientou a reportagem foi: haverá tempo de o Brasil usufruir do potencial de riqueza do pré-sal? Ou, para tentar impedir o aumento além dos 2 graus na temperatura média da Terra, o mundo fará a transição para a energia renovável mais rápido do que se pensa?

Veja a integra das entrevistas com Roberto Schaeffer, Carlos Rittl e Maurício Tolmasquim

A seguir, entrevista com Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Se o Brasil exporta petróleo do pré-sal, que é um petróleo bom, você até poderia dizer sim que o País está ajudando a reduzir as emissões no mundo. Afinal, o mundo terá a opção de consumir um petróleo de melhor qualidade e não um ruim como o canadense ou o venezuelano”

Sob a perspectiva da mudança climática, existe um paradoxo no fato de o Brasil iniciar a exploração do pré-sal em um momento que deveria ser de restrição às energias fósseis?

No começo deste ano, eu e outros dois colegas da Coppe (Alexandre Szklo e Rodrigo Lucchesi), publicamos um artigo científico no Energy Policy justamente discutindo essa questão. (José) Goldemberg (professor da Universidade de São Paulo) nos convidou para escrevermos juntos o artigo “Oil and natural gas prospects in South America: Can the petroleum industry pave the way for renewables in Brazil?” sobre o pré-sal no Brasil para o (jornal) Energy Policy. O artigo mostra que quando se começa a produzir petróleo não obrigatoriamente cria-se demanda por esse petróleo. Os carros já estão na rua, as pessoas já estão consumindo. Não é porque o Brasil achou petróleo que irá consumir mais petróleo. O que vai ou não fazer isso são outras políticas associadas a questão do pré-sal. Por exemplo, neste momento (a entrevista foi realizada em 10 de outubro), para controlar a inflação, o governo está mantendo o preço da gasolina artificialmente baixo. Com isso, o Brasil está consumindo mais gasolina, está emitindo mais e não tem nada a ver com o pré-sal.
Ou seja, achar e produzir petróleo não tem relação direta com as emissões?

Exato. O Brasil não vai dirigir mais carro porque tem pré-sal. As emissões dependem de como esse petróleo será consumido e de que preço ele terá. Outro ponto é: o petróleo do pré-sal brasileiro é relativamente de boa qualidade. É leve, o que torna mais fácil produzir derivados de alto valor agregado como gasolina, diesel e querosene de aviação. Isso significa gastar muito menos energia, emitir muito menos do que se esse mesmo derivado fosse feito a partir de um petróleo pesado. Hoje o Canadá é o principal fornecedor dos EUA e seu petróleo é produzido a partir de areias betuminosas. É uma areia dura, sólida. O processo é complicadíssimo e emite muito para fazer gasolina e diesel. Dado que os melhores petróleos do mundo estão acabando, o mundo está indo para petróleos cada vez piores.

Quer dizer que o pré-sal pode até ajudar a diminuir as emissões? Parece bem contraditório.

Não se trata de uma defesa do petróleo, mas, nesse caso, partindo do pressuposto de que não se está criando demanda nova para o petróleo, se o Brasil exporta petróleo do pré-sal, que é um petróleo bom, você até poderia dizer sim que o País está ajudando a reduzir as emissões no mundo. Afinal, o mundo terá a opção de consumir um petróleo de melhor qualidade e não um ruim como o canadense ou o venezuelano.

Sem querer dar uma de advogado do diabo, a priori você não pode achar ruim um país que investe em petróleo. Queira ou não o mundo vai ficar dependente de petróleo pelos próximos 40 ou 50 anos. Os aviões vão continuar a voar com petróleo. Os carros comprados hoje vão ficar nas ruas pelo menos uns 20 anos. Não é de uma hora pra outro que o mundo vai ficar sem petróleo. Assim, é melhor que ele consuma um produto bom do que um produto ruim.

Há uma questão também que é a associação do petróleo, no caso do pré-sal, com gás natural. Em princípio não faz sentido econômico furar um poço para produzir gás natural. O normal é furar um poço para produzir petróleo e se tiver gás natural é um benefício adicional. O gás natural é visto um pouco como o combustível que vai permitir a transição de um mundo mais carbono intensivo para um mundo menos carbono intensivo, ou até um mundo quase sem carbono. O petróleo do pré-sal permitirá, por exemplo, que o Brasil possa expandir parte da sua geração elétrica mais para o gás natural e não tanto para o carvão.
Explique melhor essa participação do gás natural, por favor.

Para lidar com a intermitência das fontes renováveis eólica e solar é preciso ter outra fonte que tenha partida rápida e consiga fazer com que o sistema não caia. O gás natural é visto talvez como o melhor combustível para fazer esse papel. O carvão, a energia nuclear e a própria lenha ou bagaço de cana não se prestam a isso porque não têm essa velocidade de partida.

Melhor que o gás natural é a hidroeletricidade porque turbinas hidráulicas conseguem ligar muito rapidamente. Mas dado que o Brasil cada vez mais está indo para usinas a fio d’água, ou seja, sem reservatório, o Brasil ou as hidrelétricas brasileiras começam a perder essa capacidade de firmar essa intermitência dos renováveis.

Mas o mundo está caminhando para as renováveis, será que o Brasil está fazendo um bom negócio ao investir no pré-sal?

Nesse artigo (do Energy Policy) a gente mostra um pouco isso. Dado que o mundo durante algum tempo ainda vai depender do petróleo, como os royalties poderiam ser bem aplicados no Brasil? Justamente para lidar com educação e para preparar o sistema energético brasileiro para um futuro só dependente de renováveis. Mas esse futuro vai precisar de muito dinheiro para vir a acontecer e talvez o pré-sal venha a ser uma boa fonte de recurso para se viabilizar esse projeto. A linha do nosso artigo é não demonizar o petróleo, mas mostrar como usar o petróleo para se preparar para um mundo que não emita mais carbono.

Mas o Brasil vem reduzindo os investimentos em renováveis.

Dei uma aula  na PUC do Rio de Janeiro a convite do (jornalista e professor) André Trigueiro sobre mudança climática. Um aluno perguntou por que o País gastava  dinheiro com o pré-sal e não gastava com eólica e solar. Eu respondi que no fundo são dinheiros diferentes. Se você for a um banco hoje, em qualquer lugar do mundo e pedir emprestado US$ 200 milhões para investir em solar no Brasil não vai conseguir.  O motivo é que se o  negócio quebrar não haverá nenhuma garantia para dar em troca. Mas se você pedir US$ 200 milhões para financiar a produção de petróleo do pré-sal conseguirá. Se você quebrar o banco pega o seu petróleo. Não há risco nenhum. Então, quando falam que se gasta em petróleo  o que poderia ser gasto em renováveis, eu digo que são dinheiros diferentes. O dinheiro do petróleo se paga. O do solar e o do eólico não obrigatoriamente, ou todo mundo estaria investindo nisso. Mas todos os países que estão investindo muito em renováveis, investem na margem, na franja. Claro tem exceções como a Noruega, mas de maneira geral, a base de qualquer sistema energético hoje ainda é o combustível fóssil. O Brasil é também uma exceção.

E quanto aos prazos? Vamos ter tempo de consumir e exportar todo aquele petróleo?

Investimentos na área de energia são de longuíssimo prazo. A hora que o Brasil inaugurar (a usina nuclear) Angra 3, ela funcionará por 40, 50 ou 60 anos. Uma térmica a carvão também dura 50 anos. O carro dura 20 anos então essa transição não se completará de uma hora para outra. Depois, o petróleo será cada vez mais importante para seus usos não energéticos. Toda a indústria química tem o petróleo como base. O plástico é derivado do petróleo. O uso não energético é um uso nobre, que produz bens duráveis. Mesmo que não fosse para energia, o pré-sal faria sentido para esses outros usos.

Se a política econômica for popularesca como a da Arábia Saudita, a da Venezuela e a do México, que por terem muito petróleo vendem a gasolina quase de graça, aí sim a emissão pode aumentar muito. É uma grande bobagem jogar dinheiro fora para subsidiar a classe média para andar de carro. Mas estamos partindo do princípio de que não será assim. O mundo vai pagar US$ 100 a tonelada de petróleo, a Petrobras vai se encher de dinheiro e, como o governo é o maior acionista, vai investir em solar, em eólica e em educação.

Mas o petróleo do pré-sal nem é tão barato quando o da Arábia Saudita e o da Venezuela, certo?

O pré-sal é caro para ser produzido, mas como os volumes achados são tão absurdamente altos pode-se dizer que terá um custo médio. É segredo de Estado o custo de produção de petróleo. Desconfia-se que na América do Sul e no Oriente Médio chega-se a produzir petróleo a US$ 5 o barril. No Canadá talvez custe US$ 50. No pré-sal desconfia-se que custe entre US$ 30 e US$ 40. Se for  vendido a US$ 100  ainda será um bom negócio.

Até quando vai durar a exploração do pré-sal?

O ciclo de um campo de petróleo é de 25 a 30 anos. Então na hipótese de não se achar mais petróleo no pré-sal, e na hipótese de começarmos a produzir com toda a capacidade em 2020, haverá um pico de produção em 2035. E lá por 2045 acaba. Talvez coincida com o ciclo final do petróleo no mundo. Otiming não está ruim. Se o Brasil achasse o petróleo daqui a 20 anos talvez não valesse mais a pena explorar. Mas agora vale. As pessoas gostam de andar de avião, de ter coisas de plástico. O petróleo permite esse conforto.

Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

O petróleo no mundo continuará sendo usado apesar do aumento da participação das renováveis, principalmente na área de transporte e indústria. Então é um benefício importante que a sociedade tem. E não é antagônico à mitigação dos gases de efeito estufa”

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